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Capítulo 7 - Controle Econômico e Totalitarismo - O caminho da servidão - Hayek

“O controle da produção da riqueza é o controle da própria existência humana”. – Hilaire Belloc


A maioria dos planejadores centrais que analisaram profundamente os aspectos práticos de sua tarefa acredita que uma economia dirigida deve seguir linhas ditatoriais. Para controlar conscientemente o complexo sistema econômico, uma única equipe de especialistas deve estar no comando, com a responsabilidade final e o poder nas mãos de um chefe supremo, livre de processos democráticos. Essas são consequências evidentes das ideias de planejamento central, conquistando o consenso da maioria de seus adeptos. Para suavizar essa realidade, certos planejadores afirmam que essa gestão autoritária se aplicará apenas às questões econômicas. Um planejador americano, Stuart Chase, assegura que a democracia política pode ser mantida, em uma sociedade planificada, desde que não interfira nos assuntos econômicos. Assim, muitos que rejeitam a ditadura política ainda exigem a existência de um ditador no campo econômico, acreditando que, renunciando à liberdade em aspectos menos importantes, obterão maior liberdade em valores mais elevados.


Os argumentos desses ditos especialistas apelam aos nossos melhores sentimentos e frequentemente seduzem as mentes mais idealistas. Se a planificação realmente nos libertasse de preocupações menores, permitindo-nos focar em questões mais elevadas, quem seria contra tal ideal? Se as atividades econômicas envolvessem apenas aspectos menores ou simplórios da vida, seria nosso dever usar todos os meios para nos libertar das preocupações materiais, dedicando-nos às coisas mais nobres, enquanto esses objetivos seriam confiados a algum mecanismo governamental utilitário.

A noção de que o controle sobre a vida econômica afeta apenas questões secundárias não tão relevantes para a vida humana é, infelizmente, infundada. Ela deriva da ideia equivocada de que objetivos puramente econômicos são estanques e separados dos demais objetivos da existência humana. Contudo, exceto pelos casos dos sujeitos patologicamente avarentos para os quais tudo se resume a dinheiro, não há tal distinção. Os objetivos últimos dos seres racionais não são estritamente econômicos. Não existe "interesse econômico" puro e isolado, apenas fatores econômicos, escassez e trade-offs que influenciam nossos esforços para alcançar uma multiplicidade de outros fins diversos em nossa existência.

A luta humana por dinheiro ocorre apenas porque isso permite escolher de forma mais ampla como melhor desfrutar os resultados de nossos esforços. Muitos odeiam o dinheiro por ser um símbolo das restrições impostas pela nossa relativa pobreza na sociedade moderna. Porém, o dinheiro é um dos maiores instrumentos de liberdade inventados pelo homem, oferecendo até mesmo aos mais humildes uma variedade de escolhas maior do que aquela disponível aos ricos há apenas poucas gerações. Se em vez de dinheiro (como meio transacional) trocássemos as recompensas por distinções públicas ou privilégios, posições de poder, melhores condições de moradia ou alimentação, oportunidade de viajar ou educar-se, o que teríamos é um menor grau de liberdade, pois a decisão não ficaria a cargo do indivíduo, mas do arbítrio do Estado provedor.


Decerto que muitos podem pensar que as mudanças de ordem econômica podem nos afetar menos do que outras mudanças mais pessoais e em aspectos da vida que nos parecem mais importantes. Aparentemente, no conforto e civilidade do ocidente, podemos chegar a pensar assim. Contudo, em um modelo de planificação econômica não é apenas o dinheiro que é objeto de controle, mas sim o que e onde se pode estudar, onde se irá morar ou trabalhar, quanto se trabalhará, de modo que a situação extrapola muito mais do que apenas questões meramente econômicas: a sua existência é chancelada e direcionada pelo ente estatal de planejamento. Quem controla toda a atividade econômica decide quando e onde os escassos meios serão usados para quais fins, o que será preterido e racionado em prol de outrem, restando ao indivíduo um papel de mera engrenagem sem real liberdade de escolha em sua existência.


Em um regime de livre concorrência, nossa liberdade de escolha depende da capacidade de buscar outro provedor, se um não for capaz de satisfazer nossos desejos. Mas diante de um monopolista, ficamos à sua mercê. Uma autoridade que dirige todo o sistema econômico seria, por definição, o mais poderoso monopolista concebível, o que é extremamente pior. Se tal supra-autoridade central teria o poder absoluto para decidir a alocação de recursos e serviços, poderia discriminar arbitrariamente entre grupos sociais, como ocorreu nos regimes comunistas, sem que houvesse qualquer possibilidade de controle ou alternativa de escolha para o cidadão.

No regime de livre concorrência, os preços praticados são determinados pela disponibilidade de artigos versus a demanda e não pela mera vontade arbitrária de alguém. Se uma alternativa de consumo se torna muito onerosa, podemos buscar outras alternativas. Os obstáculos em adquirir bens ou serviços surgem não por mera vontade estatal arbitrária, mas porque os mesmos recursos estão sendo também demandados por outros, em uma livre competição. Nossos resultados são, assim, fruto de nossa ação, preferências e esforços vis a vis os demais concidadãos. Em uma economia dirigida, por sua vez, a autoridade buscaria alcançar certos fins e impedir outros, determinando nossos resultados de acordo com suas próprias ideias e preferências políticas. Por controlar o processo produtivo, ela controlaria também o nosso consumo de forma tão eficaz quanto se nos dissesse como gastar nosso dinheiro diretamente.


Um ponto importante precisa ficar claro. Quem controla a produção controla consumidores e produtores, que são de certo modo indissociáveis, dois lados de uma mesma moeda que agem em simbiose. E o lado da produção é muito relevante para a existência de qualquer indivíduo, pois como bem pondera Hayek “como quase todos nós passamos grande parte da vida no trabalho, e é ele que costuma determinar também o lugar em que moramos e as pessoas com quem convivemos, certa liberdade na escolha da profissão talvez tenha mais importância para a nossa felicidade do que a liberdade de gastar os próprios rendimentos durante as horas de lazer”.


Mesmo no melhor dos cenários, essa liberdade de escolha será sempre bem limitada em um regime de planejamento central. Ter uma margem de escolha na vida é crucial até para nossa saúde mental como indivíduo, para não ficar totalmente preso a uma ocupação determinada por outrem ou por escolhas passadas, em um regime análogo à escravidão. Se uma posição se tornar intolerável ou aspirarmos a outra, é importante ter uma possibilidade de saída, pois nada é mais insuportável do que sentir-se preso sem possibilidade de mudança, como se dá nos regimes de planejamento central. Saber que há uma porta de saída, mesmo que isso vá nos exigir algum esforço de retreinamento educacional ou requalificação, torna muitas situações ruins em mais suportáveis. O fato é que o Estado até pode auxiliar nessa mobilidade produtiva e pessoal dos indivíduos, mas certamente jamais será por meio da adoção do Planejamento Econômico.


Planejamento Econômico central implica necessariamente em controlar o ingresso de pessoas a certas ocupações, bem como estipular sua remuneração. Não importa qual é o seu desejo, o grau de esforço pessoal que você planeja investir em determinada carreira: se o Estado não lhe considera de antemão hábil, pessoalmente digno ou talhado para aquela ocupação, você não a terá. Seria uma espécie de preconceito estatal “do bem”... Mesmo em um regime de livre mercado, onde se tenta pintar que os pouco qualificados estão sob um regime de “escravidão proletária”, certas pessoas sem muita qualificação aceitam passar por um período de sacrifício financeiro e pessoal, estudando ou aprendendo algum ofício que almejam em troca de um salário inicialmente menor ou mesmo sem receber, para então, com o tempo e com a aquisição de experiência e conhecimento, poderem prosperar e galgar a escada da realização profissional e pessoal, a despeito dos prognósticos mais desfavoráveis.


Quanto à lógica econômica e os clichês culturais batidos que assolam o debate econômico de livre mercado versus planificação, Hayek pondera que “A vida e a saúde, a virtude e a beleza, a honra e a paz de espírito, muitas vezes só podem ser preservadas à custa de consideráveis sacrifícios materiais, e alguém tem de fazer a escolha”. Não dá para se ter tudo na vida e certas coisas valorosas implicam também valorosos sacrifícios, para os que querem ter a consciência em dia e fazer o certo. Mas ele pondera também que “nem todos estamos dispostos, por vezes, a fazer os sacrifícios materiais necessários para proteger esses valores mais altos contra qualquer violação”. E nesse sentido, o que muitos idealistas agudamente desconectados da realidade querem fazer crer é que não existem trade-offs, dilemas ou escassez na economia. Daí fazem afirmações irresponsáveis sobre uma suposta abundância que está ali na fronteira, no horizonte, e que mediante o Estado planejador será possível que todos se realizem plenamente, sem sacrifícios, ignorando que onde quer que se tenha tentado esse modelo a única coisa que cresceu foi a escassez de produção, a escassez de qualidade de vida e a escassez de direitos individuais e humanos, esses sim muito valorosos. Quem muito fala nesse suposto maná de prosperidade econômica e humanística sob o regime de planificação ou não sabe o que diz ou é um desonesto.


Hayek enxergava, na metade do século XX quando escreveu o livro, o que havia uma tendência de gradual arrefecimento nos defensores da planificação na academia e que mesmo entre os defensores alguns já não mais propugnavam a superioridade do planejamento central, mas uma suposta tendência à igualdade de eficiência entre o modelo liberal e o de planificação - um eufemismo como quem não quer admitir a derrota de se estar errado. Sabemos, porém, que nem mesmo essa igualdade era possível ou real. Pondera, ainda, que muitos dos defensores da planificação central migraram para a defesa de um modelo social-democrata, redistributivista para promover uma sociedade mais “justa a equitativa”. Porém, o problema ainda persiste mesmo neste modelo de socialismo aguado, chamado de social-democracia, pois o Estado tem de intervir pesadamente para tentar alcançar esse ideal de redistributivismo e mais equidade e isso prejudica a geração de empregos e desestimula investimentos produtivos futuros.


Uma última lição também é apontada por Hayek, no que tange à defesa da planificação como um sistema viável. A história econômica demonstra que apenas quando o laissez-faire e a adoção de um sistema liberal, com vigorosos direitos de propriedade, foram colocados em prática que a produtividade cresceu, impulsionando o crescimento econômico e as condições materiais de vida como nunca havia se visto na história da humanidade, além de uma expansão no campo dos direitos individuais. E, como consequência, houve uma hiper-especialização dos ofícios, uma divisão de trabalho mais acentuada que tornou as cadeias produtivas mais fluidas e geograficamente integradas, tornando o processo produtivo em algo cada vez mais socialmente integrado e interdependente (mais atores participando no processo). Uma tentativa de planificação de um sistema complexo como tal é deveras problemática e culmina necessariamente em autoritarismo e, com as ferramentas modernas de controle sobre a sociedade, torna os Estados mais poderosos do que os Reis Absolutistas da Idade Média poderiam almejar. Conferem, portanto, maior poder para fazer o completo mal contra qualquer dissidente. E, não por acaso, foi isso que precisamente ocorreu na União Soviética e em qualquer regime Socialista. Sob o pretexto de nos liberar das escolhas difíceis, que seriam feitos pelo Estado provedor e planejador, os defensores da planificação aniquilam todas as liberdades em prol de um suposto “interesse coletivo”.

A Liberdade política pouco ou nada significa se não existir a liberdade econômica, pois a econômica é o requisito consubstancial para que a política possa existir. E por fim, como bem conclui Hayek:


“A liberdade econômica que constitui o requisito prévio de qualquer outra liberdade não pode ser aquela que nos libera dos cuidados econômicos, segundo nos prometem os socialistas, e que só se pode obter eximindo o indivíduo ao mesmo tempo da necessidade e do poder de escolha: deve ser a liberdade de ação econômica que, junto com o direito de escolher, também acarreta inevitavelmente os riscos e a responsabilidade inerentes a esse direito”.

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