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Capítulo 1. O caminho abandonado - O caminho da servidão - Hayek

Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

“A tese básica deste programa não é a de que o sistema de livre iniciativa fracassou em nossa época, mas a de que tal sistema ainda não foi posto em prática”. – F. D. Roosevelt

Hayek abre o primeiro capítulo observando uma tendência da psique humana de, quando as coisas vão mal e a civilização enfrenta declínios e episódios de relevo que remetem ao modo de vida do passado bárbaro, temos uma reação de atribuir culpa aos outros, jamais a nós mesmos. Fizemos tudo certo, fomos bons cidadãos, e se deu algo de errado, são forças ocultas, sinistras, são poderes malignos que passaram supostamente a nos reger. Estamos prontos para aceitar, assim, as mais exóticas explicações (pseudo) causais, exceto a de que esses problemas resultaram de erros de nossa parte, de que a nossa busca por ideais aparentemente tão elevados tenha produzido, infelizmente, uma barbárie.


É muito cômodo pensar nos italianos, nos alemães ou nos russos, como se fossem inteiramente diferentes de nós e quem, assim, os horrores que lá aconteceram jamais poderiam acontecer em nosso próprio país. Contudo, a história precedente desses países não é muito diferente do Reino Unido. O conflito externo mundial ocorrido foi resultado de transformações no pensamento europeu que se acelerou mais entre alguns povos, acirrando divergências irreconciliáveis. Contudo, tais transformações do pensamento não deixaram de atingir os anglo-saxões também, embora em menor grau e velocidade.


As ideias básicas que ergueram a civilização ocidental, o capitalismo "laissez faire" e o respeito às liberdades individuais negativas foram alicerces que perduraram e forjaram um mundo de crescimento econômico e de otimismo, no século XIX e início do século XX. O que não se percebe, porém, é que paulatinamente, por duas ou três décadas, tais ideais foram sendo gradativamente enfraquecidos e, por fim, sufocados, culminando nos totalitarismos Russo, Alemão e Italiano. Houve um choque, um profundo horror e uma sensação de surpresa na sociedade, porém, esses acontecimentos apenas vieram a confirmar as advertências que os fundadores da filosofia liberal fizeram. Abandonou-se a ideia de uma robusta liberdade econômica sem a qual a liberdade política, por sua vez, jamais existiu no passado. Os avisos de Lord Acton e Tocqueville de que a doutrina do socialismo significava escravidão não foram escutados e passamos a andar, paulatinamente, em direção a esse abismo.


O caminho da servidão

O advento do socialismo não representa apenas uma ruptura com ideais de filósofos liberais como Locke, Hume, Smith, Acton e Tocqueville, mas também de pilares fundantes de nossa civilização ocidental, como o Cristianismo e os fundamentos lançados pelas civilizações grega e romana. Essa nova onda socialista ia de encontro ao indivíduo e à noção de individualismo que herdamos de antigos filósofos gregos e também de outros mais contemporâneos. Malgrado o individualismo tenha sido um termo que adquiriu conotação negativa nesse período de turbulências, a noção de que o indivíduo importa e merece ser defendido, ter suas liberdades garantidas contra o arbítrio de outrem ou do Estado, é essencial a toda civilização saudável e próspera.

O desenvolvimento econômico observado nos séculos XVIII, XIX e XX se deu pela transformação de um sistema de hierarquia rígida, de castas, para um regime em que os indivíduos podiam tentar dirigir suas vidas, tendo oportunidades de errar e de prosperar com o aprendizado obtido no curso da vida. O Estado dirigista, controlador, uma sociedade petrificada por classes aristocráticas, escravidão, privilégios à nobreza, foram sendo um a um reduzidos e em grande parte eliminados, permitindo que o comércio florescesse e empreendedores do comércio, inventores, pesquisadores e até trabalhadores pudessem alçar voos e ter uma ascensão social jamais pensada até então. A engenhosidade humana sempre foi alta, decerto, mas apenas num ambiente em que há liberdade comercial e industrial é que esse potencial é aumentado, retroalimentado e produz resultados a todos, não apenas à elite governamental.

Quando a ciência e a experimentação passaram a não ficar mais na esfera governamental é que se observou um "boom" tecnológico e as revoluções industriais que tanto aumentaram a renda de todas as classes na economia. Se, por um lado, o crescimento econômico que se observou, ao liberar a engenhosidade humana, foi tamanho que levou a se forjar uma opinião pública de intolerância com mazelas sociais, por outro lado, o fato é que mesmo as classes mais baixas foram beneficiadas pelo progresso, acessando bens e serviços impensáveis décadas ou séculos atrás.


O caminho da servidão

É certo que a doutrina liberal implementada, na prática, não é algo imutável e que não comporta melhorias possíveis no arranjo institucional. Tarefas como o aperfeiçoamento do sistema monetário e a prevenção e controle de monopólios, são exemplos claros de caminhos que foram necessários. Mas não apenas esses pontos de aperfeiçoamento legal institucional, mas também a crescente opinião pública de que era necessário o Estado implementar ações de cunho mais positivo, isto é, oferecendo uma prestação de serviços sociais, em face de um ritmo de crescimento econômico que naturalmente se reduziu após um "boom" intenso, foram sendo pontos que não souberam ser adequadamente manejados, abrindo flancos para que ideias antiliberais passassem a circular de forma mais aberta e incisiva nos debates públicos. O sucesso (material) do liberalismo acabou sendo uma fonte de seu declínio, na medida em que frente a tamanho êxito material o homem médio foi se tornando cada vez menos disposto a tolerar desconfortos existentes, que deveriam ser todos solucionados pelo Estado, segundo a narrativa antiliberal que se engendrou. A própria defesa das liberdades, nesse contexto, passou a ser menos enfática, como se as liberdades alcançadas fossem algo definitivo, indestrutível, um trabalho acabado. Porém, o preço da liberdade, bem sabemos, é a sua eterna vigilância.


A impaciência em face do progresso menos veloz da política liberal e o estado de ideias então suscitado, fez com que os princípios do liberalismo fossem aos poucos abandonados. A ideia de engendrar uma reestruturação da sociedade, de efetivamente descartar o modelo liberal e substitui-lo inteiramente por outro, começou a crescer na sociedade. O efeito acumulado desse declínio foi danoso e o pilar do mecanismo de mercado, impessoal, livre, foi sendo substituído paulatinamente por ideias de "condução coletiva das forças sociais", de planejamento econômico e social. O regime liberal inglês e sua base intelectual, que atingiu seu ápice por volta de 1870, com grande expansão para o leste da europa, foi perdendo espaço para a Alemanha, que passou a ser uma referência exportadora de ideias destinadas a como se estruturar e governar a sociedade. Hegel, Marx, Manheim, Schmoller, dentre outros, propagaram suas teses de caráter socialista e instituições alemãs passaram a ser imitadas. Embora o berço das ideias socialistas não seja única e exclusivamente germânico, foi ali onde houve impulso no florescimento intelectual do movimento e na aplicação de práticas econômicas, sociais e políticas, tendo o partido socialista alemão alcançado relevância na cena política nacional e virado referência para outros partidos na europa.

O caminho da servidão

Não foi apenas o progresso material germânico que credenciou, aos olhos de muitos, a ideia de que o modelo socialista poderia ser o caminho. Tal ideia foi também impulsionada pelo prestígio que cientistas e intelectuais germânicos alcançaram nos séculos XIX e XX. E na Alemanha era cada vez maior o desprezo pelos ideais do Ocidente e pouco a pouco se estabeleceu uma narrativa de que o liberalismo era basicamente um pretexto para justificar interesses egoístas, que o livre comércio era um mecanismo para defender interesses ingleses e que, assim, o modelo inglês e seu legado de ideias eram ultrapassados, injustificáveis e vergonhosos.


O caminho da servidão

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