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Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

Reflexões sobre as 6 lições de Mises: O socialismo (lição 2)

Em um sistema capitalista, de livre mercado, há a sagrada liberdade de imprensa e de opinião individual, como cidadão, e os indivíduos também são livres para decidirem que carreira seguir, como se inserir e contribuir, com seus esforços, para a sociedade. Há liberdade de decisão do indivíduo para empreender a ação econômica, seja como trabalhador ou empresário. Num sistema socialista, por outro lado, a carreira a seguir e até o local de moradia e trabalho podem ser decididos pelo puro e simples arbítrio do governante e, até mais, pode-se restringir a liberdade de ir e vir se houver manifestação de opinião incômoda aos detentores desse poder ditatorial. Não é muito difícil perceber, já de partida, o porquê de um sistema ser melhor do que o outro.



A liberdade no capitalismo não significa, porém, uma utopia, uma perfeição no sentido teórico ou metafísico. A liberdade é de ação e sempre há dependência, no sentido de que um homem depende tanto de todos os demais como estes dependem dele em algum grau. É por meio de trocas voluntárias e por meio de serviços prestados uns aos outros que cada concidadão contribui e extrai algo em troca para si. Tanto empreendedores como trabalhadores dependem uns dos outros e tanto vendem como recebem algo em troca, numa simbiose que permite que todos saiam ganhando sua justa remuneração se o sistema for suficientemente livre.


Um empresário, esse ser tão vilanizado de forma caricatural, necessita tanto dos seus clientes e trabalhadores como estes necessitam das empresas para adquirir serviços e produtos para si e sua família. E se o produto ou serviço não atende às expectativas dos consumidores, no capitalismo, estes fecham suas carteiras a essa empresa que, por sua vez, ou demite trabalhadores e pode chegar a falir ou se adapta ao gosto do freguês e muda suas atividades produtivas. Assim, o principal orientador ou preditor do sucesso é o atendimento dos anseios dos clientes, não as vontades e caprichos do próprio empresário per se.



No socialismo, por sua vez, não importa tanto se as necessidades do público são bem atendidas. Critérios políticos e pessoais permeiam e orientam as decisões econômicas e, assim, produz-se com baixo nível de eficiência e com notório atraso tecnológico, decorrente da falta do incentivo para competição e falta de meritocracia, implicando que as necessidades do público consumidor são ignoradas ou, quando muito, pobremente atendidas. Há um velho adágio sobre o trabalhador do sistema comunista que diz que na relação de produção comunista “o Estado finge nos pagar e nós fingimos trabalhar”. Quando os incentivos são errados, os resultados são, portanto, os piores possíveis. A migração de cidadãos dos países comunistas para os demais países em que esse regime não impera, buscando uma condição de vida melhor, é a prova histórica cabal e irrefutável de como o socialismo não funciona e produz péssimos resultados para todas as sociedades onde foi implantado.


Muito das ideias socialistas são fundadas, cabe frisar, em ideias antigas e equivocadas, para dizer o mínimo. O antagonismo supostamente irremediável entre elites dominantes e servos (ou até escravos proletários, num exagero retórico barato) é uma grotesca simplificação da realidade e permeia a gênese desse ideal socialista, do suposto problema social que ele teria por resolver. No passado, decerto que a nobreza tinha posições que eram inatingíveis pelos demais que apenas lhes serviam, como na época do feudalismo e da monarquia absolutista, em que o poder vinha de cima e não havia mecanismos para se ascender de classe social. A partir do século XVIII e XIX, contudo, o que se viu foi o florescimento de regimes cada vez mais liberalizantes que extinguiram privilégios sociais e econômicos, de modo que as classes mais baixas podiam cada vez mais se integrar e galgar posições na sociedade, cada vez mais com base em seu próprio esforço laboral e empreendedor apenas, e não mais com base exclusiva em nascimento e pertencer ou não a uma nobreza ou casta.


O capitalismo, a evolução dos mecanismos de crédito e as reformas do século XIX permitiram, na Europa e nos EUA, que inventores e empreendedores tomassem risco e produzissem impérios econômicos (maiores que de reis) em pouquíssimo tempo, bem como permitiu que os trabalhadores fabris passassem a ter aumento de renda que os catapultaram a padrões de vida impensáveis meio século atrás. Se é certo que nem todos chegarão ao topo das posições sociais e econômicas, até mesmo por falta de perfil pessoal, interesse ou pela simples constatação de que não somos todos iguais, o fato é que passou a haver o fenômeno da Circulação das Elites (como definiu o economista italiano Vilfredo Pareto), de modo que nascer numa família rica não era mais garantia de lá permanecer, bem como nascer numa família pobre também não era mais uma sina contra a qual era impossível lutar. Assim, novos caminhos potenciais foram abertos para aqueles que assim desejassem empreender, trabalhar e se capacitar para mudar de vida por meio de seus próprios esforços.


O sistema socialista é, por comparação, desumano e vil por proibir essa liberdade fundamental, que é a escolha da própria atividade laboral e econômica, que pode mudar o destino de cada indivíduo. A partir do momento em que uma autoridade central define os planos de produção e como os fatores essenciais (terra, capital e trabalho) serão alocados (pela força coercitiva do Estado), todos se tornam pobres servos imediatos do governante, exceto claro uma minoria privilegiada extrativista que ali está no poder. A maior falácia, portanto, é a de que o Socialismo é libertador das massas proletárias supostamente oprimidas. Pelo contrário, é um sistema de aprisionamento de pessoas, de mentes, de opiniões e que realiza um encarceramento em massa da sociedade que está submetida a seu jugo. Em vez de cidadãos, há servos, há soldados, há escravos sem direito a nenhuma liberdade de ação ou mesmo de opinião.


O conhecimento é algo disperso pela sociedade e, assim, não é uma minoria de elites burocráticas privilegiadas que tem o dom de produzir uma sociedade próspera e até espiritual e moralmente sadia. Ademais, os homens são também desiguais em suas aptidões e níveis de interesse em determinadas áreas do conhecimento e, assim, é a possibilidade livre de trocas que pode permitir que os talentos possam florescer e que haja maior justiça no reconhecimento dessas diferentes habilidades. Nem mesmo irmãos gêmeos, nascidos e criados com uma base genética igual e em um meio educacional e de amizades igual, alcançam os mesmos resultados econômicos em suas vidas, pois a desigualdade de aptidões e a heterogeneidade de decisões individuais ao longo da vida produzem resultados que são necessariamente diferentes.



Quanto à ineficácia e injustiça do sistema socialista para seus cidadãos produtivos, basta pensar no mundo prático de uma empresa socialista: quando o Estado obriga o talentoso e dedicado Alfredo a ganhar o mesmo que o camarada Joseph, menos hábil, a motivação de Alfredo para se esforçar mais e ser mais inventivo, habilidoso e diligente diminui, assim como seu desempenho efetivo e, naturalmente e como um todo, perde a sociedade. O aniquilamento de talentos pelo sistema socialista é um dos pontos centrais que explica também o seu evidente fracasso. Não foram poucos os engenheiros, matemáticos, químicos, dentre outros, que migraram para países livres e lá contribuíram de maneira formidável e livre para a prosperidade do Ocidente.


Quanto à Economia e ao seu funcionamento mais basilar, é necessário notar também que o sistema socialista aniquilou um pilar para seu funcionamento saudável: o sistema de preços. O próprio Mises, autor dessa obra (As Seis Lições), dentre outros economistas, já havia demonstrado, na década de 1920, que o sistema socialista iria ruir com o tempo, porque não apenas os fatores humanos e motivacionais eram trágicos, para se dizer o mínimo, mas o próprio mecanismo de preços era artificial na economia socialista. Preços são um termômetro essencial e informam, de forma numérica e objetiva, a compradores e vendedores (demandantes e ofertantes) a escassez e o grau de valor atribuído a um bem ou serviço. Preços orientam a atividade de planejamento individual e empresarial. Se um produto está sendo altamente demandado e a oferta não está acompanhando esse aumento de demanda, os preços sobem e sinalizam aos empresários que há ali um ramo fértil para se investir e, com o tempo, com a entrada de novos "players" nesse mercado, aumentada a oferta do bem, os preços tendem a retroceder. O contrário também é verdadeiro: se os preços estão muito baixos, há um sinal para que os empreendedores não adentrem e invistam naquele mercado, pois já está saturado e bem atendido. Desse modo, podem minimizar os investimentos de baixa eficiência e baixo retorno, que desperdiçam valiosos recursos econômicos e humanos naturalmente tão escassos.



O mecanismo de preços é também extremamente útil para o próprio planejamento financeiro das empresas em si, pois matérias-primas, salários e vários fatores de produção têm preços que balizam o cálculo econômico e os investimentos. Se esse pilar é ruído, a viabilidade de se fazer um bom planejamento é também aniquilada. Eis a razão pela qual qualquer intervenção em mecanismos de preços é deletéria para a atividade econômica e para o próprio desenvolvimento tecnológico de uma nação, ocasionando um nível de vida menor para seus cidadãos. A liberdade é a condição essencial para a prosperidade e quando ela é agredida, os resultados econômicos e sociais são péssimos. Evidências disso não faltaram ao longo do século XX em todo e qualquer sistema socialista que existiu: todos produziram miséria e migração de seus melhores cidadãos por terem atacado o fundamento sagrado da liberdade.


Uma última reflexão, por Mises, é a diferença de hábitos e costumes que a cultura da liberdade ou da falta dela provoca. Nos EUA e em países de livre mercado, ao sair de um estabelecimento comercial, é comum ver placas com dizeres “obrigado pela preferência, volte sempre”, o que demonstra que o cliente é que deve ser bem tratado, pois ele é como um patrão. É o atendimento das suas expectativas que permite o negócio continuar a existir. Por outro lado, nos regimes socialistas ou mesmo na Alemanha totalitária de Hitler, era comum ver avisos e propagandas com frases como “agradeça ao grande líder, que lhe está proporcionando isso”. Ou seja, é o comprador quem deve ficar agradecido pelas migalhas que recebe, e não o vendedor ou a empresa por ter sido escolhido. Não é o cidadão-cliente quem manda, quem decide o que consumir, mas sim o gabinete ou comitê central. Os ditadores é que são supremos e ao povo cabe simplesmente obediência cega e calada. Você gostaria de viver num regime opressor e desumano como esse?



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